domingo, 10 de abril de 2011

UM (breve conto)


06:00 da manhã.
O despertador anunciava que mais um dia havia raiado lá fora, mas o sono queria impedi-lo de levantar-se. Era comum aquela cena, e não era preocupante, porque o fim era sempre o mesmo: ele esperaria mais alguns minutos até que estivesse suficientemente atrasado para levantar apressado, tomar um banho de qualquer jeito, sair calçando os sapatos, e só quando chegasse no trabalho perceber que havia esquecido algo importante, que era imprescindível e que deveria estar na mesa do chefe naquele dia... no primeiro horário.
Mas neste dia, ele não demorara muito para levantar-se, parece que sentia já estar atrasado para alguma coisa, mesmo dentro do horário...
Tomou seu banho e de tanto que demorou, precisou sair as pressas de casa. Tudo voltou ao normal! Como de costume esquecera o relatório de vendas que seu chefe havia pedido há aproximadamente um mês.
Não tinha carro, nem bens materiais que lhe amparariam se continuasse a desafiar a paciência de seu chefe. Morava mal: apartamento pequeno, sujo, desorganizado. Cheirava a nada e ao mesmo tempo a tudo, mas não tinha cheiro ruim, tinha cheiro de gente.
O salário que recebia era tão vergonhoso que mal conseguia pagar suas contas, comprar itens de necessidade crítica e ainda passear com a namorada nos finais de semana. Muitos se perguntavam como aquele moço raquítico, de cabelos ralos, olhos e pele de cores tão comuns, que ninguém os notava, como aquele rapaz poderia ter uma namorada tão bela como era aquela moça?...
Ele pouco conversava com os vizinhos, porque eram todos mexeriqueiros e viviam da desgraça alheia. Como isso nunca o agradara, preferia viver fechado em sua casa, e partilhar a vida apenas com os amigos mais próximos, e a belíssima namorada, que ninguém entendia, por quê raios era namorada dele!
A caminho do ponto de ônibus, o rapaz  relembrava como se conheceram. Era uma noite um tanto sombria, porque chovia muito e o céu estava completamente escuro (alguns dizem que talvez por não ter visto bem seu rosto, ela tenha se apaixonado depressa por ele, e quando o pôde ver na claridade do dia, já era tarde: estava louca de amor pelo pobre coitado!!). A jovem dirigia seu carro quando a chuva jogou para o meio da avenida um ser desorientado, todo molhado e com frio. Ela parou rapidamente, antes que o atropelasse e foi ao encontro dele. O primeiro olhar foi suficiente para que eles entendessem que deveriam ficar juntos, que a vida, a natureza, Deus, tudo e qualquer coisa havia os colocado ali naquele momento para descobrirem o amor. Depois deste olhar, nunca mais se largaram um dia que fosse. Já estavam juntos há dois anos, e tinham planos de casar.     
Ela com 23 anos, ele com 24. Ambos gostavam de ler a poesia de Dos Anjos, os contos do Rubião, as músicas góticas e os filmes de drama, terror e suspense. Era curioso porque eram alegres e gostavam de contar piadas. Eram inteligentes, mas assistiam a novela da Rede Globo religiosamente todos os dias. Liam jornais juntos,  mas também as revistas de fofoca, horóscopo e o resumo da semana da novela das 8. Conversavam sobre política, astrologia, gastronomia, física, química, mas é claro, sobre a bendita novela das 8... Maldito ritual que consome, aprisiona e condiciona os seres humanos!
Pois bem, ele continuava a caminhar até o ponto de ônibus. Lembrar da namorada fazia-o sentir-se bem. A última vez que a vira foi no fim de semana, já era quarta-feira. Ele estava com saudades dela. Naquele fim de semana passaram horas e horas, trancados no quarto, mas ele precisava de novas lembranças, porque o stress da semana já o havia corrompido.
O ônibus estava atrasado, porque chovera muito à noite, e algumas ruas estavam alagadas. Os faróis quebrados piscavam ininterruptamente a luz vermelha. Parecia natal, mas ainda era Setembro...e toda aquela agitação parecia não incomodar o pequeno rapaz de olhos semicerrados.
Finalmente apareceu algum ônibus. Entrou, sentou e observou a pessoa ao lado com um celular conectado à Globo. No jornal matinal anunciavam alguns acidentes de carros, assaltos, alagamentos e tiroteios. Nada que o surpreendesse muito. Sentiu vontade de falar com namorada. Ligou para ela. Do outro lado da linha:
- Oi amor!
- Bom dia amor!
- Onde você está? – perguntou a moça.
- Perto da tua casa. Você demora a sair?
-           - Não saio já. Quer me esperar no ponto?
Ele demorou uns 10 segundos para responder àquela pergunta pensando no tempo que ainda teria que ficar esperando por um outro ônibus. Mas já estava atrasado, que diferença faria? E queria tanto ver aquela formosura de mulher.
- Claro! Estou te esperando.
Desceu do ônibus e esperou por ela mais uns 15 minutos: mulheres muito bonitas não precisam de mais que 15 minutos para ficarem lindas! As feias é que gastam uma eternidade tentando esconder as tantas imperfeições...
Pegaram um novo ônibus.
A chuva tinha cessado e um sol tímido brilhava escondido por algumas nuvens espalhadas pelo céu. Era só mais uma das chuvas de primavera, que caem para mostrar sua graça, mas logo dão espaço novamente ao padrinho do dia.
Sentados, comentavam como estavam com saudade um do outro, como se amavam e todas aquelas juras eternas que namorados fazem, e que tanto machucam quando um sonho acaba, e percebe-se que nada que se dizia eterno, de fato, dura para sempre.  Porque nada dura para sempre.
Mas eles se amavam naquele momento, com os olhares fixos um no outro,  como se fosse o primeiro e o último olhar. Falavam dos dias que passaram entre domingo e aquela manhã de quarta-feira, contavam novidades, alegrias e frustrações.
O trânsito ainda estava parado. Já era quase 9 horas! Ele chegaria atrasado mais uma vez. O que importa?
Uma mulher grávida entrou no ônibus, e este fato, fez com que se iniciasse um dialogo sobre o casamento.
Planejavam se casar no próximo ano, e no outro ter o primeiro filho. Gostariam de uma festa grande para todos os amigos. Mas só os amigos, nada de vizinhos mexeriqueiros! O vestido seria desenhado pela mãe da moça, e o terno alugado numa dessas lojas de Trajes à Rigor. A cerimônia seria celebrada por um padre que fizera a 1º Eucaristia da moça, já que ele não tinha lá uma religião a qual seguisse à risca. Nem ela seguia nada a risca! Mas era tão lindo casar na igreja! Nas novelas, as mocinhas sempre se casavam com os mocinhos em uma linda cerimônia religiosa e uma grande festa luxuosa...
 Ambos ganhavam pouco, mas estavam dispostos a assumir a dívida para em troca realizarem o sonho da “Novela das 8”.
- Onde vai ser a festa? – perguntou entusiasmada.
- Pode ser naquele salão de esquina com a Igreja, o que você acha?
- Muito pequeno. Pode ser naquele na Av Principal.
- Por mim, tudo bem.

Escutaram um barulho. Um assalto no banco do outro lado da rua.
Foi o ultimo barulho que ele escutara.
...Sonhos destruídos, vida interrompida.

Não chegaria atrasado no trabalho, nem teria medo de ser demitido.
Também não haveria mais casamento, nem fins de semana trancafiado no quarto com a namorada linda que tanto amava.

Nunca mais beleza, nunca mais amor...



No dia seguinte, o jornal da Rede Globo, pela manhã anunciava:
- Assalto a banco na manhã anterior, gera tiroteio entre assaltantes e policiais. Quatro pessoas ficaram feridas. Três estão em estado de emergência, e um não resistiu aos ferimentos.


Um...ELE virou UM. Mais um no noticiário, que amanhã será esquecido.
Talvez Rubem Fonseca escreveria algo sobre ele, mas o rapaz não lia os contos do Fonseca.

Fiquei sensibilizada...



 By: Camilinha!! :) (Eu ou UMA?)

Um comentário:

  1. Nossa Camilinha q conto triste!
    E mais triste ainda eh sabe q isso realmente acontece, sonhos e vidas interrompidos!!!

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